APRENDIZ DE LEITOR

Uma página de alguém que, por influência e necessidade, decidiu dedicar mais tempo a leitura e ao devaneio. Consciente de que a produção textual é um desafio que se faz necessário a cada dia.

sábado, 10 de julho de 2010

QUADRO FERIDO


Conhecíamo-nos de tempos, só que dessa vez o respeito já não era tão necessário quanto na época em que te vi pela primeira vez. As palavras já não são mais tão selecionadas como eram. Pra quê? As formalidades realmente se foram de vez. Que pena?! Que nada!

De repente te encontro com outros olhos. Olhos que talvez estivessem um tanto quanto pervertidos pelo tempo e pela ausência de visões tão deslumbrantes como a que agora me deparo. Tão jovem ainda se comparada a minha idade. Não tão avançada assim, mas para você sempre foi motivo de gozação. Tentei não me importar muito com suas brincadeiras em relação a isso, mas às vezes, confesso, isso me chateava demais. Deveria ser o meu medo da real velhice que fazia isso comigo. Pintava um quadro.

12 de dezembro de 1980 – lá estava você naquele palco. Formatura. Eu não pudera sequer demonstrar o quanto sentia um enorme afeto por você. Seria estranho demais as pessoas perceberem o que eu sentia, sendo que não seria compreendido por ninguém. Estive ali todo o tempo, com os olhos fixados em você. Não poderia perder nenhum momento. Nenhum sorriso, ou quem sabe o olhar que eu ansiava receber. Depois de tanta falação chegou o meu momento. O de te dar o abraço de parabéns. Dei. Você não percebeu minha real intenção. Mas me deu, além do abraço, um belo e reluzente sorriso. Pintava um quadro.

02 de fevereiro de 1981 – você não mais pertencia ao meu grupo. Se fora. Agora participaria de outras tribos. Quem sabe essas seriam mais desenvolvidas do que as de antes. TALVEZ. O tempo é um ser que me perturba. E agora? Fui inconveniente e me fiz o convite para que eu pudesse te ver mais de perto. Foi inútil. Não sutil efeito algum. Pensei em desistir, só que era o que eu não queria. Minha mãe sempre me dizia: - Nunca desista meu filho! Nunca. – eu não poderia apagar assim um ensinamento tão belo.

Com o tempo as datas já não eram mais tão importantes assim. Deixemo-nas de lado. Continuemos a pintar o quadro.
Que tal o aconchego daquela poltrona. Tinha uma pedra no caminho. Eu sei que deveria fazer algo para eliminar qualquer empecilho, mas minha força não era ainda suficiente para removê-la dali. Foi preciso apenas esperar para que o ser tempo se encarregasse de desgastar a maldita pedra que me amarrava longe de você. O sopro foi forte. Sem barreiras agora. Tudo mais fácil. Mero engano. Sem novos traços na pintura.

Percebi que o cacau é um bem que trabalha em nosso favor. Não era comprar. Não no meu ponto de vista. Para outros... investimento alto. Fechar os olhos durante o período que me recostava no Divã não era nada agradável porque eu perderia preciosos momentos em que poderia, talvez, assistir seu sono. Mas o meu era de igual tamanho. Afinal estava ali há mais tempo que você.

Novas pedras no caminho, surgiram.

Surge o primeiro convite como algo do além. Foi tão de repente. Recusar seria abrir mão de possibilidades. Pode ter sido Zeus ou Deus? Sei lá; foi o destino. Não existe. Aquele ambiente muito me agradou e sabia que não poderia ficar apenas com a primeira viajem ao templo do encantamento. Tinha tanta gente lá. Não tive chance de me aproximar. Por esse motivo mesmo é que tive que batalhar pela nova possibilidade de estar aquele “bendito” lugar e continuar a pintar meu quadro.

Outra. Outras. E outras visitas. Todas por convites. Até o dia que não mais esperei por nenhum. Agora estávamos bem mais próximos. As viagens ao grande templo eram mais freqüentes. Eu não percebi, mas te cansei. Ou não. Ajudar-te na manutenção daquele lugar se tornara para mim um privilégio. Não percebeu? Agora, sim, eram investimentos.

Era tudo tão encantador. As esculturas e pinturas das paredes brilhavam como nunca. As câmeras que ali estavam para vigiar aquele que tocasse na mais preciosa das pinturas, chamada Rader, me vigiava todo o tempo. Algumas vezes eu hesitava em tocá-la, mas logo me dava conta do risco que estava correndo. Mas por que não cometer sequer uma infração? Cometi várias. Se me arrependo? Só pelo que eu não pude fazer na época.

Não resisti. Levei Rader para casa. Devia haver um bruxo que transformasse aquela linda imagem em algo real para mim, mas minha descrença não permitia que eu buscasse esse recurso. Nem acreditava que daria certo algum dia. Eu queria simplesmente cuidar da bela pintura. Grafitada. Eu pintava o meu quadro com muita dificuldade.

A imagem que eu tinha visto no palco do dia doze de dezembro de 1980, agora estava na minha mão. Eu poderia acariciá-la ou deprecia-la. Só que as coisas tomaram outros rumos. Me apeguei demais a algo que não era meu. Havia roubado de outras pessoas. Pessoas estas que freqüentavam aquele templo há mais tempo que eu. Mas estava ai meu mal. ROUBAR!

Como era bonito acordar e ser coroado com aquele sorriso, em alguns dias, tão sombrio, mas logo se transformava no mais belo diamante e me alegrava. Eu compenetrado nas imagens que me vinha à cabeça. E se alguém ousasse te roubar de mim? Era possível sim. Afinal era uma das jóias mais precisas daquele lugar que ,às vezes, me perturbava. Trazia paz. Era paradoxo interminável.

Na noite de 1987, após o delicioso jantar, peguei a tesoura mais afiada que encontrei e comecei, em um ato involuntário, a perfurar todo o retrato de Raider. Era meu retrato, ou de mais ninguém. Nossa. Esse era um pensamento que eu sempre expulsava da minha cabeça. Mas isso não vem ao caso. Quero apenas relatar como eu consegui ferir você naquele dia. Não compreendi o que fizera.

Já que as palavras não eram mais escolhidas. Comecei a atirá-las como pedras ao léu. Palavras não são pedras, porém perfuram tanto quanto. Eu chorava depois. Você, rasgada. Apagada. Imersa em lágrimas.
Eu não entendia da mente tão bem quanto você. Iniciante ainda.

Na ultima noite que te vi. Estava diferente. Cativante. Pena! Eu estava armado. Te feri como nunca. Tive que sair correndo e deixar você sangrando. Naquela noite sombria me recusei a dormir. Precisava refletir sobre o que havia feito. Tentei consertar, mas você sangrava demais para poder me ouvir. Não ouviu ninguém. Eu, sem palavras. Peguei tudo que tinha e parti. Para bem longe. E prometi que naquela noite seria a ultima em que eu ferira você. Talvez agora eu perca você para sempre. Ou talvez eu repense ações que firam não a face, mas o coração. Sinto muito. Preciso do seu perdão.

Um comentário:

  1. Rogério parabéns pelo seu texto, é belíssimo,Que Jesus te abençoe e vc continue escrevendo brilhantemente assim....

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Seu comentário é o que, muitas vezes, é que me mantem motivado a postar. Por isso um comentário critico será sempre bem vindo.